VISITA DE SUA SANTIDADE, O 14º DALAI LAMA, À UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA.
Transcrevemos aqui parte do pronunciamento feito na primeira parte da visita, que aconteceu na Universidade de Brasília (UnB),
Qual é o propósito da nossa vida? Independentemente de você ser uma pessoa que tenha alguma crença religiosa, ou não, eu acredito que o objetivo da nossa vida humana é a felicidade. É podermos viver com alegria. Aquilo que é o eu, aquilo que é o auto, pode ser difícil de encontrar, mas ainda assim, todos nós temos um sentimento de individualidade e todos nós trazemos de uma forma inata, conosco, o desejo de sermos felizes, o desejo de superarmos o nosso sofrimento, portanto, ser feliz é um direito de todo ser humano. A felicidade não é uma coisa que vem de fora para dentro, ela não vem apenas a partir do dinheiro. Nós devemos, trabalhando com os nossos recursos mentais internos, criar uma base sobre a qual pode se assentar a nossa felicidade. Isso é o que eu chamo de espiritualidade. Eu acredito que existem dois tipos de espiritualidade: uma que se manifesta dentro de uma fé religiosa, dentro de um credo, mas há um segundo tipo que não precisa de uma fé religiosa explícita. Eu acredito muito nos valores humanos básicos, dentro de uma ótica em que a pessoa cuida dela mesmo, mas ao mesmo tempo ela tem um senso de compromisso com o outro, tem uma disponibilidade para compartilhar o que tem com o outro, baseado num sentimento de irmandade autêntica com os outros seres humanos. Se você tem um problema, se você está preocupado com o seu problema e consigo mesmo, esse problema pode tomar uma dimensão muito grande, mas se você consegue abrir o seu foco, se você começa a enxergar as pessoas à sua volta, se você enxerga que as pessoas são iguais a você, elas também têm os seus problemas. Se você tem uma sensibilidade que inclui também os problemas das outras pessoas, possivelmente, a partir desta perspectiva mais ampla, a sua questão pessoal vai mudar de figura. Aquilo, que de início poderia te parecer tão forte e tão importante, muda de perspectiva quando existe espaço também para a presença do outro. Então, no sentido de cuidar do próximo, existe um sentimento de compaixão. Não só é esse um valor muito rico para a sociedade, mas também muito benéfico para quem cultiva esse valor. A compaixão nos traz mais autoconfiança, nos traz uma força interior, isso faz com que o nosso medo se reduza e isso, por conseqüência, leva à paz de espírito, à paz interior. Hoje se ouve falar muito de paz e de não violência, mas o que é a paz? A paz não é apenas a ausência de violência, se assim fosse uma pessoa que fica de braços cruzados, indiferente, nós poderíamos dizer que ela estaria praticando a paz. Esse não é o caso, a paz é o reflexo de uma atitude interna, de uma compaixão interna. Se você traz no seu coração a compaixão isso imediatamente se reflete em paz, em paz interior para você, em paz na sua família, em paz para sua comunidade ou sociedade. Se você traz paz dentro de você, tranqüilidade dentro de você, você se abre naturalmente para uma ação não violenta. Quando você está tendo uma conduta não violenta isto quer dizer que a sua ação é totalmente desenvolvida, ela se faz presente, ela é eficaz. Só que ela não é manchada pela agressividade, essa é a diferença e você tem o espaço para ouvir o outro, para compartilhar o problema do outro e você também tem uma afinidade com o diálogo. Então, quando nós falamos em ação não violenta nós precisamos, também, falar da promoção do diálogo dentro de um espírito de conciliação e numa disponibilidade para concessões recíprocas. Os conflitos sempre vão existir, desde que o mundo é mundo, e vão continuar sempre existindo. Existem conflitos na sociedade, na comunidade, mesmo dentro de uma só pessoa existe conflito. Você pode acordar pela manhã pensando uma coisa e quando chega no final do dia você tem uma idéia totalmente diferente. Se você não encontrar uma maneira de harmonizar essas duas idéias que apareceram dentro de você isso pode criar uma tensão muito grande, mas ao mesmo tempo aqueles dois pólos opostos podem operar uma síntese aonde você chega a uma solução mais ampla para sua questão. Isso acontece também no nível da sociedade. Os conflitos sempre vão existir e eles não devem ser vistos apenas como coisas negativas. Porque é sobre os conflitos que o progresso acontece, a partir da síntese dos conflitos, mas para isso é necessário um espírito de concórdia, de conciliação e de concessão recíproca. Nós assistimos, nos dias de hoje, uma interdependência muito intensa entre as nações, o interesse de uma nação também é o interesse da outra nação. Não cabe mais, nos dias de hoje, a idéia de "o meu país derrotar o seu país". A derrota do seu país também representa uma perda para o meu país, se eu ajudo o seu país a ficar melhor, então, o meu país vai com isso, também, ficar melhor. Sua Santidade diz que ele costuma brincar dizendo que o melhor resultado que nós podemos conseguir nos dias de hoje é cinqüenta por cento para o meu lado, cinqüenta para o seu lado. Talvez, numa circunstância muito boa, sessenta por cento para mim, quarenta por cento para você, mas certamente, não cem por cento para mim e nada para você. Se você quer seguir por um caminho da não violência um dos principais obstáculos que você pode encontrar é o ódio que possa existir dentro do seu coração. É o ódio que vai fazer o homem pegar em arma e destruir. Então, Sua Santidade diz que para que a não violência possa prosperar é importante um desarmamento interno, e externo também. Como um conselho final Sua Santidade diz que é importante que você procure sempre ser uma boa pessoa, uma boa pessoa é aquela que traz calor dentro do seu coração.
Obrigado. |